terça-feira, 31 de agosto de 2010

Autogestão e Autodefensoria: caminhos para Ser e Conviver

Falar em autogestão e autodefensoria como caminhos para ser e conviver, traz à minha memória fragmentos do filme 300, tão divulgado pela mídia, que elucida com precisão em sua parte introdutória, um processo de iniciação, onde crianças eram submetidas a testes de sobrevivência, prática essa corriqueira entre os espartanos, que revelava a coragem e a força de crianças que desde o ventre de suas mães, eram escolhidas para exercerem a sublime arte de proteger a polis; a cidade.

Os meninos andavam descalços, para criar resistência no solado dos pés; vestiam a mesma roupa durante um ano, a fim de suportar o frio e o calor e eram chicotedas em praças públias, visando revelar tolerância à dor. Essas práticas, certamente não encarada por nós com bons olhos, exprimiam para os espartanos que a criança era guerreira e estava pronta para proteger-se e auto conduzir-se na vida.

E nós? O que temos oferecido às nossas crianças? O que desejamos que elas sejam amanhã? Será que elas sobreviverão à essa selva de pedra, na qual denominamos de mundo? O que temos feito, enquanto condutores da criança para que ela assuma sua vida com determinação, garra e autonomia?

Esse é o lado bom da história dos espartanos. Instigavam suas crianças a serem independentes, defensoras, confiantes e corajosas. Já os portadores de necessidades especiais não eram bem vistos pela sociedade. Eram considerados impecilhos à sobrevivência do grupo. Os recém-nascidos frágeis, doentes ou deficientes eram lançados num abismo de mais de 2.400 metros de altitude, pois não poderiam viver aqueles cujos corpos fossem considerados inadequados para a guerra.

Somente os que tinham corpos saudáveis e se mostravam equilibrados tinha vez e espaço na sociedade. Os deficientes eram desprezados; excluídos, pois não podiam se defender e nem tão pouco defender a cidade. Daí porque eram dispensáveis. Em questões de conflitos armados seriam um peso; um fardo.

Essa visão de incapacidade, de dependência e iunutilidade precisa ser desconstruída. Não podemos mais conceber a idéia de que a deficiência é sinônimo de anormalidade. Até porque o conceito de normalidade é complexo e bastante contraditório. Se o analisarmos em sua profundidade haveremos de concluir que todos nós somos portadores de necessidades. Temos nossas limitações; precisamos ser aceitos; somos carentes de amor e atenção; queremos fazer valer nossos direitos; queremos nosso espaço na sociedade e queremos autonomia para gerir a nossa existência.

Essa não é uma luta apenas dos portadores de necessidades especiais – É uma luta do gênero humano, pois já disse Mario quintana que:

Deficiente" é aquele que não consegue modificar sua vida,
aceitando as imposições de outras pessoas ou da sociedade em que vive,
sem ter consciência de que é dono do seu destino. 
( Mário Quintana)

Quem é o verdadeiro deficiente?
"Se você deixa de ver a pessoa, vendo apenas a deficiência quem é o cego? Se você deixa de ouvir o grito do seu irmão para a justiça, quem é o surdo? Se você não pode comunicar-se com sua irmã e a separa, quem é o mudo? Se sua mente não permite que seu coração alcance seu vizinho, quem é o deficiente mental? Se você não se levanta para defender os direitos de todos, quem é o aleijado? A atitude para com as pessoas deficientes pode ser nossa maior deficiência". ( Extraído)

Nessa ótica, a deficiência não está no corpo ou na mente, mas no coração. E essa é a pior das deficiências, pois como bem já disse o rei Salomão: “assim como você imagina a sua alma, você é”. ( Pv. 23:7). Qual é a visão que você tem de si mesmo? Qual é a visão que você tem da sua deficiência? Acredito que tudo depende da forma que vemos as coisas, pois já disse Jesus que “ Se os teus olhos forem bons o teu corpo é bom, mas se os teus olhos forem maus o teu corpo é mau”(Mt.6:22-23).

“Não são as deficiências que paralisam a vida,
mas a visão que temos de nossas deficiências que nos fazem desistir da vida”.


Se sua visão de vida for saudável, apesar de suas deficiências, então você não tem deficiências, mas desafios. Desafios que você mesmo pode enfrentar; gigantes que você mesmo poderá derrubar; desertos que você mesmo pode atravessar; tempestades que você mesmo poderá suportar, pois você pode e deve gerir a vida dentro de suas limitações.

“ Tudo quanto te vier às mãos para fazer, faze-o conforme as tuas forças.
(Ec. 9:10)

Somos capazes! Capazes de se impor no mundo; de expressar seus sentimentos e desejos; de arriscar e lutar por aquilo que almeja e acredita;de tomar decisões a respeito de seu próprio destino, de assumir responsabilidades; de amar e de ser amado; de superar s limites; de escrever sua própria história.

"Não é a lei que vai proteger o portador de necessidades especiais. É a consciência! Consciência que é acima de tudo, um portador de direitos! Direito a ter uma identidade pessoal; direito a ser gente como agente; direito de ser diferente; direito de ingressar no mercado de trabalho; direito de exercer suas habilidades; direito de ser ouvido; direito constituir família;direito à igualdade de oportunidades; direito de sonhar e de ser feliz e principalmente, o direito de conviver. Já disse M. Luther King que:

"Aprendemos a voar como pássaros e a nadar como peixes,
mas não aprendemos a conviver como irmãos."

Conviver com os diferentes é uma arte! É uma missão árdua que precisa ser encarada como uma necessidade humana, pois o homem só pode aperfeiçaoar-se em contato com o outro. E o outro, não sou eu e eu não sou o outro.Ninguém é igual a ninguém. Temos nomes diferentes; famílias diferentes; feições diferentes; hábitos diferentes; reações diferentes; deficiências diferentes. A questão não é a diferença em si, mas as construções; as conjecturas que se fazem sobre ela, que a torna indesejável, insuportável. Por exemplo: Vai dá trabalho,é pesado demais para mim, não sei como lidar com a situação, não vou suportar; não tenho tempo suficiente para dispensar; não vai mudar; a tendência é piorar; minha vida vai ser comprometida; vou ficar cativa da situação...

A história de um soldado no Vietnã retrata muito bem essa situação de construir conjecturas preconceituosas e excludentes acerca do outro.

"Ele era um soldado que estava no Vietnã e que finalmente estava voltando para a casa. Ele ligou para os seus pais, que moravam em São Francisco, dizendo:
- Pai, Mãe, eu estou voltando para a casa. Só que eu tenho um favor a pedir a vocês: Eu tenho um amigo que eu gostaria de levá-lo comigo.- Claro! - Eles responderam - Nós adoraríamos conhecê-lo.- É, só que há algo que vocês precisam saber. - Continuou o Filho - Ele foi terrivelmente ferido na batalha. Pisou em uma mina e perdeu uma perna e um braço, e não tem nem um lugar para ele morar, por isso eu quero que ele venha viver conosco.- Meu filho, eu sinto muito em ouvir isso, mas talvez possamos ajudar ele a encontrar algum lugar para ele morar, mas conosco fica muito difícil.- Não, mãe, eu quero que ele venha morar conosco meu pai.- Filho, - disse o pai - você não sabe o que está nos pedindo. Alguém com tanta dificuldade seria um grande fardo para nós. Nós temos nossas próprias vidas e não podemos deixar que uma coisa como esta interfira em nosso modo de viver. Acho que você deveria voltar para casa e esquecer desse rapaz. Ele encontrará uma maneira de viver por si mesmo.
Neste exato momento, o filho bateu o telefone. Os pais não ouviram mais nem uma palavra dele. Alguns dias após, no entanto, eles receberam um telefonema de São Francisco. O filho deles havia morrido depois de ter caído de um prédio. A polícia acreditava em suicídio. Os pais, angustiados, voaram para São Francisco e foram levados para o necrotério, a fim de identificar o corpo do filho e eles o reconheceram. Só que para o seu horror, descobriram algo que desconheciam: o filho tinha apenas um braço e uma perna. Os outros ele havia perdido na guerraAchamos fácil amar aqueles que nos são bonitos, divertidos, ou que fazem sempre o que nos agrada. Não gostamos das pessoas que nos incomodam ou que fazem nos sentir desconfortáveis. De preferência, nos afastamos destas pessoas e de outras pessoas que não julgamos saudáveis, bonitas ou que não fazem aquilo que achamos que é o correto.".( Extraído)

Somente aqueles que tem uma visão correta de si mesmos; aqueles que se aceitam; que se amam;que se colocam no lugar do outro, que se valorizam são capazes de amar, aceitar e valorizar e sentir o que os outros sentem. Para se conhecer verdadeiramente a capaciadade de uma pessoa com deficiência apenas dê à ela uma oportunidade, porque o caminho para “ser e conviver” esta dentro de cada um de nós!

CONCLUSÃO
É hora de quebrar o silêncio! É tempo de sair dos bastidores! É o momento de trocar de papéis. Depois de séculos aprisionados no anonimato e acorrentados pelas algemas da exclusão os portadores de necessidades especiais devem se pronunciar e mostrar o seu verdadeiro lugar na sociedade – CIDADÃO. Devem deixar as arquibancadas estreiar nos palcos e brilhar como estrelas que são. Devem se despir das vestes de coadjuvante e se revestir de protagonista da própria vida.



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